quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Energia para Roraima



O agravamento da crise na Venezuela é sentido em todo continente, mas em nenhum lugar o impacto tem sido tão sentido quanto em Roraima. Dentre as várias frentes de dificuldades esta o provimento da energia elétrica para o único ainda não conectado no Sistema Interligado Nacional (SIN).

A principal fonte de energia elétrica para Roraima é a Usina Hidroelétrica de Guri na Venezuela, mas com as dificuldades de manutenção e operação do sistema venezuelano, agravada pelas sansões econômicas dos EUA, tem disso cada vez mais comuns os blecautes e cortes de energia o que obriga acionar termoelétricas a óleo combustível a um custo de quase R$ 2 mil/MWh, quase dez vezes o valor da energia venezuelana. 

Há anos os orgãos reguladores do sistema elétrico brasileiro se debruçam sobre o problema. A solução de longo prazo, ideal é a interligação no SIN. Há um projeto contratado de construção de um linhão de 715 km ligando Manaus a Boa Vista. A obra atravessa 120 km pela Terra Indígena Waimiri-Atroari e o processo atropelado de licenciamento tem impedido a emissõa da licença de instalação. A partir da licença serão pelo menos 3 anos para construção.  Outra alternativa em estudo, é a construção da UHE Bem Querer na Bacia do Rio Branco que corta o estado. Um projeto complexo que se encontra ainda no processo de avaliação prévia e consultas. Inundaria uma área de 560 km2 (equivalente a metade do Município do Rio de Janeiro) para gerar uma média de 400 MWh com um custo de construção estimado em R$ 10 bilhões – ou seja uma área de inundação equivalente a Belo Monte para gerar um décimo da energia e com triplo do custo por MWh. Existe ainda a possibilidade de usar biomassa, se valendo de 30 mil hectares de florestas plantadas existentes no estado, mas isso daria para uma parcela pequena da demanda do Estado.

As alternativas mais interessantes no curto e médio prazo parecem ser a energia eólica e solar acoplado a sistema de bateria para garantir ir o fornecimento constante de energia. 

Embora o estado não tenha um inventário detalhado do potencial eólico, estima-se que somente no norte do Estado o potencial supere os 3 GWh. Torres experimentais instaladas pelos Makuxis com o propósito inicial gerar energia para consumo das comunidades locais, demostram um potencial maior que a demanda do Estado só na TI Raposa Serra do Sol. Roraima tem um potencial médio de 5 KWh/m2/dia em painéis fotovoltaicos. Com apenas 1 km2 de painéis é possível dar conta de toda demanda de energia do Estado (~210 MWh médio). Um parque de baterias que dê conta de estabilizar energia solar e eólica ocuparia uma área de 0,1 km2. O investimento total para um sistema eólico/solar/bateria ficaria na casa de US$ 1,5 a 2 bilhões e pode ser implementado de forma modular ao longo de 2 anos gerando anergia já a partir dos primeiros meses de implantação.

Em maio acontece o leilão de energia para Roraima quem sabe não temos uma boa surpresa e o estado entra no mapa mundial como o primeiro totalmente abastecido modelo eólico/solar/baterias.

Publicado em O Globo em 27.02.2019

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Fake News Florestal


Circula pelo WhatsApp um vídeo de uma palestra que supostamente demonstra, com uma sequência impressionante de números, que o Brasil encolheu. O palestrante sugere que o país conserva florestas demais e tem tanta área protegida, tanta terra indígena e tanta exigência de preservação que ficou sem espaço para desenvolver a agropecuária. Como tantas outras histórias do zapzap, esta também é fake news.

É verdade que há muita área ainda com vegetação nativa no Brasil. Os dados do projeto MapBiomas, uma rede brasileira de 15 instituições de pesquisa que mapeou todas as mudanças no uso da terra no Brasil desde 1985 até 2017, mostram que o país tem 67% do território coberto por florestas e campos naturais. Mas nem de longe estamos sozinhos em termos de conservação: 70% da Rússia está coberta por vegetação nativa, incluindo uma área florestal quase do tamanho do Brasil. Há cerca de 30 países com mais de 60% de cobertura florestal, incluindo a Coreia do Sul, com 63%, a Suécia, com 67% e o Japão, com 68%. 

O Brasil, por outro lado, é o quarto maior produtor de alimentos do planeta, atrás de China, Índia e EUA, e tem a terceira maior extensão de terras sob produção agropecuária, atrás apenas de China e EUA. O MapBiomas mostra que o país tem hoje 245 milhões de hectares em pasto e lavoura. É 1,17 hectare de área produtiva por habitante, mais do que nos EUA (1 ha) e que a populosa China (0,34 ha). 

Cerca de 25% do Brasil está dentro de terras indígenas e unidades de conservação. São 216 milhões de hectares, excluindo as APAs, categoria de área protegida que permite produção e ocupação (o Distrito Federal tem 80% de seu território dentro de uma APA). Só que essas áreas protegidas estão muito mal distribuídas: 90%, ficam na Amazônia, que concentra apenas 10% da produção agropecuária. Fora da Amazônia, apenas 5% do território está sob áreas protegidas. E é fora da Amazônia que ocorre 90% da produção agropecuária.

Além disso, uma porção enorme das áreas protegidas amazônicas está em regiões remotas ou sem aptidão agrícola. Ou seja, o número de áreas protegidas parece impressionante no powerpoint, mas não compete com o agronegócio.

O Brasil também não é nenhuma jabuticaba no quesito “área protegida” legalmente. Protegemos muita floresta porque temos a maior biodiversidade do mundo para resguardar. A Austrália tem 20% de seu território protegido. A França, 26%, o Japão e o Reino Unido, 29%, e a Alemanha, 38%. Entre os nossos vizinhos, Peru, Colômbia e Bolívia têm mais de 40% do território protegido.A média do mundo é 29% em unidades de conservação e territórios indígenas. A proporção de áreas protegidas no Brasil é não destoa da média.

O argumento de que as áreas protegidas e outras áreas legalmente designadas – para assentamentos de reforma agrária, por exemplo – são “improdutivas” é falacioso. Terras indígenas e unidades de conservação de uso sustentável desenvolvem agricultura, manejo florestal e extrativismo. Atire o primeiro pote de açaí quem acha que isso não é produção. Só a comercialização de produtos da floresta movimenta em torno de R$ 1,5 bilhão ao ano – e isso excluindo a indústria madeireira na Amazônia. Faltam políticas e investimentos para que nossas áreas protegidas gerem ainda mais renda e empregos. 

Cruzando os dados do MapBiomas com o mapa fundiário do Brasil compilado pelo projeto Atlas da Agropecuária Brasileira, conclui-se que as propriedades privadas (cadastradas no Incra ou com Cadastro Ambiental Rural, o CAR) possuem quase 190 milhões de hectares de vegetação nativa, ou cerca de um terço do total do país.

Imóveis privados podem exercer produção rural em toda a sua extensão, exceto nas áreas de preservação permanente, que protegem, especialmente, os cursos d'água e perfazem em média cerca de 10% da área da propriedade. Uma parcela da área que varia de 20% a 80%, dependendo do bioma, deve ser mantida com vegetação nativa na forma de reserva legal, sendo a produção limitada a atividades que não ponham a mata abaixo. 

A conservação das áreas florestais é bem diferente quando comparamos as áreas públicas e privadas. As propriedades privadas tiveram perda líquida de mais de 20% de sua cobertura florestal nos últimos 30 anos. Nas unidades de conservação e terras indígenas a perda foi de 0,5% e, em outras áreas públicas não protegidas, de 5%.  

Infelizmente, apesar da queda das taxas de desmatamento entre 2005 e 2012, o Brasil ainda é o país que mais desmata do planeta: em 50 anos, destruímos quase 20% da Amazônia, o equivalente a mais de dez vezes o território da Holanda e o da Bélgica somados. O cerrado, nosso segundo maior bioma, está reduzido à metade. O Pantanal perdeu 7% em 15 anos. O pampa, 13%. Restam menos de 15% da Mata Atlântica original. No caso amazônico, tanta devastação ocorreu à toa: Segundo os dados do projeto Terraclass, feito pela Embrapa e pelo Inpe, 63% da área desmatada é ocupada por pastos de baixíssima produtividade, com menos de um boi por hectare, e 23% foi abandonada e está em regeneração.

Não é verdade que precisamos desmatar mais para ampliar nossa produção. Graças ao uso intensivo de tecnologia, tivemos enormes ganhos de produtividade e evitamos maior desmatamento. De 1991 a 2017, a produção de grãos e oleaginosas subiu 312%, mas a área plantada cresceu apenas 61%. Em São Paulo, por exemplo, a área de cultivo agrícola dobrou desde 2000, crescendo essencialmente sobre as pastagens sem que o Estado diminuísse a produção pecuária. Sabe quem mais cresceu por lá? A Mata Atlântica. São Paulo hoje tem mais floresta, mais agricultura e mais boi.

Há espaço no Brasil para ampliar a produção e a conservação. Dizer o contrário é ofender o espírito empreendedor e competitivo do agricultor brasileiro. O Brasil tem tudo para ser o maior produtor mundial de alimentos e em bases sustentáveis. Para isso, podemos e devemos zerar o desmatamento, acabar com a ocupação ilegal de terras públicas, defender nossas áreas protegidas e aprofundar os ganhos de produtividade de nossa produção rural. É ganha-ganha.

Tasso Azevedo é coordenador técnico do Observatório do Clima e coordenador geral do MapBiomas

Luís Fernando Guedes Pinto é gerente de Certificação Agrícola do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola)


Artigo de publica em O VALOR ECONOMICO em 13.02.2019