quarta-feira, 25 de maio de 2016

Pai da Clara


Como em toda apresentação ou palestra eu estava um pouco apreensivo, claro. Mas ao entrar na sala vi que esta não seria apenas mais uma aula. Uma cadeira, sem mesa ou qualquer artefato de anteparo e a frente, em formato de u, a audiência atenta e olho no olho. Mal deu para dar boa tarde e lá veio a primeira tacada: - Pai da Clara, quando a árvore para de crescer?

Enquanto eu ainda elaborava a resposta da primeira pergunta, explicando que a maioria das árvores cresce até morrer, já veio a segunda: mas então porque a árvore morre? Como a árvore cresce? Como a árvore bebe água? Ao explicar como a árvore cresce transformando ar, luz do sol, nutrientes do solo e água em raiz, tronco, galhos e folhas fui interrompido assertivamente: Então, Pai da Clara, no deserto não tem árvore porque não chove ou não chove porque não tem árvores?

Parece trivial né? Mas tente responder sem gaguejar. Era como se me dissessem: - Cheque!  Tudo assim, sem cerimônia, nada de rodada de apresentação ou... - Só temos uma hora e muitas perguntas!

Semanas antes, a professora me ligara dizendo que estavam num projeto de aprender medidas para o qual escolheram árvores como objeto de estudo. Depois de testar vários métodos para medir a altura das árvores da praça, a Clara sugeriu:
 -Meu pai é engenheiro florestal e entende de árvores, ele podia vir ensinar a gente.

Então lá estava eu explicando grandezas sobre as árvores. Até preparei uns slides com fotos das árvores mais altas, mais velhas, mais largas, com a maior folha e por ai vai. Mas para aquelas crianças isto era só aperitivo, uma escada para entender a fundo a natureza das coisas.

Crianças de 6 a 7 anos têm hoje um nível de cognição impensável há 30 anos atrás. As sinapses que fazem são desconcertantes. Eu participo de TED talks, aulas em universidades e palestras nos mais diversos tipos de eventos com centenas de pessoas e poderia contar nos dedos os momentos em que a atenção tenha sido tão concentrada e a interação tão assertiva e direta.

Isso é muito poderoso quando converge para os temas da natureza e sustentabilidade e seu rico universo de mistérios a serem desvendados, vividos e contemplados.

Esta geração vai viver num mundo mais complexo e complicado e é nosso dever deixar-lhes como legado as bases para que possam impulsionar um mundo mais justo e sustentável.

Onde eu estiver continuarei feliz em ser apenas o pai da Clara, aquela que com sua geração deixou para os filhos um mundo melhor.

Publicado em O GLOBO, em 25.05.2016

segunda-feira, 23 de maio de 2016

A vez das biorefinarias



Chefes de estado de todo o mundo estiveram em Nova Iorque em abril para assinar o Acordo de Paris, que tem como objetivo limitar o aumento da temperatura média global abaixo de 2oC. Para cumprir esse compromisso será necessário zerar as emissões de gases de efeito estufa neste século -  algo inviável sem uma drástica redução do uso de carvão mineral e petróleo.

O desafio de superar essa dependência do petróleo vai muito além de encontrar alternativas para o uso de combustíveis fósseis como querosene, gasolina e diesel. Existem milhares de produtos baseados em derivados do óleo, como fertilizantes nitrogenados, tecidos sintéticos, plásticos, tintas, medicamentos, detergentes, ceras, entre outros. A profusão de setores dependentes desses derivados é tamanha que alguns especialistas sugerem que se hoje houvesse falta imediata de petróleo, a agricultura e a indústria farmacêutica poderiam entrar em colapso.

A busca por alternativas para substituí-los avançaram significativamente nas últimas duas décadas. Já produzimos álcool combustível e plásticos a partir da cana de açúcar, fizemos biodiesel a partir de biomassa, desenvolvemos ceras e tintas com base em resinas e pigmentos naturais e mais uma enormidade de tecnologias e produtos.

Apesar de promissora, a abordagem da substituição produto a produto não consegue gerar a escala hoje existente nas refinarias e polos petroquímicos. Por outro lado, mesmo que todos os produtos encontrassem substitutos, criando rotas alternativas de produção, restaria o desafio de amortizar o enorme capital empregado nas refinarias.

Porém, uma outra abordagem começou a ganhar força na última década:  a criação de biorrefinarias. Em essência, trata-se de refinar biomassa para que gere os derivados hoje produzidos com petróleo. Isso é possível porque o petróleo e seus derivados são hidrocarbonetos, ou seja, em essência são combinações diferentes de átomos de carbono e hidrogênio. Assim, a partir de biomassa, especialmente a lenhosa, seria possível gerar os mesmos derivados.

As primeiras experiências nesse sentido foram feitas com o tratamento dos gases oriundos da produção de carvão vegetal e com o licor negro proveniente da fabricação de celulose. Num segundo momento, foram testadas as biorrefinarias especializadas em fracionar a biomassa para obter os subprodutos. Em síntese, entra madeira ou outra fonte de biomassa de um lado e do outro saem os diversos produtos refinados.

Mas existem abordagens mais arrojadas como a que é conduzida pela empresa americana Ensyn em parceria com a brasileira Fibria. Através de uma tecnologia batizada de RTP (Rapid Thermal Processing) a madeira é liquefeita e transformada em um óleo cru com as mesmas propriedades do petróleo. A similaridade é tanta que foi possível refinar o óleo em refinarias feitas para operar com petróleo. Esta abordagem permitiria utilizar a própria infraestrutura de refinarias atuais para produzir os derivados, aproveitando o capital já investido e tornando mais fácil a aposentadoria do petróleo.


A produção florestal do planeta precisaria dobrar para dar conta de substituir o petróleo na fabricação dos derivados não combustíveis. Uma base florestal maior aumenta a captura de carbono, tornando o efeito benéfico para o clima. Ai está o caminho para transformar a indústria petroquímica na nova indústria bioquímica.

Publicado em Época Negócios na edição de Maio/2016