Quanto tempo se leva para produzir um mapa que explique o que cobre e como é utilizado cada pedacinho de terra do Brasil? E para contar a história de transformação de cada canto ao longo das últimas três décadas? Pelos métodos tradicionais de mapeamento por meio da interpretação visual de imagens de satélite, seria um trabalho para quase meio século.
Um grupo de pesquisadores brasileiros — especialistas em sensoriamento remoto e ciências da computação e experts nos biomas brasileiros e práticas de uso da terra — desenvolveu uma metodologia inovadora, em rede, envolvendo aprendizado de máquina e processamento computacional distribuído na nuvem, que possibilitou completar a tarefa em apenas três anos, num trabalho inédito no mundo.
O projeto, chamado MapBiomas, disponibiliza — numa plataforma pública e gratuita — mapas e dados que permitem compreender como o território brasileiro veio se transformando desde 1985 até 2017.
A cada ano, cerca de 1% a 2% do território sofrem mudanças de uso e cobertura do solo. Ao longo dos últimos 33 anos, nada menos que 41% do território passaram por alguma transição de uma classe de cobertura e uso do solo no período.
Neste período, as áreas urbanas cresceram 55%, conforme a população foi crescendo concentrada nas cidades. Saltamos de 132 milhões para 207 milhões de habitantes, com 84% deles nas áreas urbanas. As cidades ocupam pouco menos de 0,5% do território, mas demandam grande quantidade de recursos para se manter e irradiam impactos por extensas áreas do território, mesmo com a queda de 14% da população rural.
Perdemos 71 milhões de hectares de cobertura florestal, savanas e vegetação campestre entre 1985 e 2017 — uma área equivalente aos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em contrapartida, a área destinada à agricultura triplicou, e a pecuária aumentou mais de 40%. Embora mais de 68% do país estejam cobertos com florestas ou vegetação nativa, quando observamos aquelas que se mantiveram como tal desde 1985, esta área cai para 50% do país.
A perda de cobertura de vegetação nativa, associada a vastas áreas degradadas, tem afetado várias bacias hidrográficas críticas para o abastecimento de água. Em 12 delas, a cobertura de florestas e vegetação nativa não alcança 30%, incluindo bacias-chaves para o abastecimento das cidades e a produção rural, como Tiête, Paraná, Paranapanema e Baixo São Francisco.
O conhecimento das transformações pelas quais tem passado nosso território, deve servir de impulso para planejar e implementar o uso sustentável e duradouro dos nossos imensos, porém finitos, recursos naturais.
Publicado em O Globo, em 29.08.2018