Meu
bisavô Eupídio, pai de minha avó Cecy, fotógrafo em Minas, era extremamente
interessado na história de nossas origens e com ajuda de um historiador
pesquisou por anos na década de 50 para construir a árvore genealógica da
família. Fuçando em registros nos cartórios, igrejas, bibliotecas e toda sorte
de documentação que pode encontrar chegou até o português João Ramalho e Índia
Bartira. João Ramalho chegou ao Brasil de forma desastrosa em 1513 depois de um
naufrágio na costa. Foi salvo pelos índios guaianás e acabou casando com a
filha do cacique com quem teve nove filhos. Contava esta história dizendo
orgulhoso: somos descendentes das origens da miscigenação brasileira. Temos
sangue de índio, e Guaianá!
Biso
Elpídio era um ponto fora da curva. Em geral no Brasil ao perguntar a descendência
de alguém na ponta da língua estão as linhagens estrangeiras brancas ou
asiáticas (italiano, português, libanês, japonês, lituano....) em muitos casos
com detalhes da região dos países de onde veio a família. A descendência
africana e indígena é sempre referenciada de forma genérica. É raríssimo
encontrar quem identifique região ou mesmo a língua original da descendência
indígena.
No
Brasil a história pré-1500 é um detalhe, que cabe em um par de aulas de
história. O índio é caracterizado como um ser menos desenvolvido que precisa
ser tutelado pelo Estado. Não se cria vínculos e não se promove a identificação
cultural com a população indígena e daí
deriva uma percepção rasa dos profundos vínculos de nossos hábitos.
Esta
incompreensão e falta de identidade tem gerado um campo fértil para propalar
ideias batidas como “índio é preguiçoso” ou “tem muita terra para pouco índio”
que volta agora a tona numa nova onda, agora mais forte do que nunca na esteira
da desfiguração do código florestal, para restringir o reconhecimento e o
exercício dos direitos indígenas.
O
argumento simplista é que as terras indígenas ocupam 13% do território nacional
e a população indígena não chega a 0,5% da população total, trocando em miúdos,
são 800 mil índios em pouco mais de 100 milhões de hectares (98% na Amazônia)
dos quais tem direito de uso fruto, mas as terras pertencem a união. Pois bem,
uma análise rápida dos dados do IBGE mostra que 67 mil grandes proprietários de
terra no Brasil possuem 195 milhões de hectares, ou seja o dobro da área de
terras indígenas.
Quando
observamos os dados de conservação e proteção dos recursos naturais podemos
perceber o fundamental serviço que prestam as terras indígenas ao Brasil. Na
Amazônia foram desmatados até 2009 cerca de 75 milhões de hectares (o
equivalente a toda área ocupada pela agricultura no Brasil), o que representa
18% da Amazônia. Nas áreas protegidas
(unidades de conservação e terras indígenas) a área desmatada é de 1,5% e nas
áreas não protegidas – incluindo as propriedades rurais, assentamentos e outras
terras públicas o percentual sobre para 25%. Nas terras indígenas o
desmatamento é menor inclusive que nas unidades de conservação (1,46% contra
1,63%).
Precisamos
ter orgulho de nossas raízes indígenas e reconhecer a contribuição que eles dão
para nossa identidade nacional e para a proteção dos recursos naturais que
sustentam a nossa vida.
Publicado em O GLOBO, 12-09-2012