Ceará tem pouco mais de um metro e meio de altura. De fala mansa, jeito simples e direto é um dos mais habilidosos motosserristas do Brasil. Chegou ao Pará no inicio dos anos 80 para trabalhar nas frentes de desmatamento e exploração madeireira. Ganhava por m3, descontadas as partes rachadas ou ocas, o que poderia resultar em uma perda de até 40% da produção.
Autodidata, Ceará inventou e aprimorou por uma década uma técnica de corte que praticamente eliminava estas perdas. Assim conseguia maior renda, pois não derrubava árvores ocadas (consegue com sua técnica medir o oco antes do corte); e realizando o corte quase ao nível do solo, com uma intrincada sequência de cortes e cunhas, consegue direcionar e deitar a árvore sem rachar.
Nos anos 90, pesquisadores que desenvolviam as técnicas de manejo sustentável da floresta perceberam que a técnica conhecida como “corte escadinha”, além de resultar em menores perdas, se aplicada a um planejamento prévio cuidadoso, permitiria direcionar o corte para reduzir substancialmente os danos à floresta.
Hoje a técnica inventada por Ceará é um padrão para o manejo sustentável no Brasil e em vários outros países.
Desde 1997 Ceará é instrutor de corte da escola de manejo florestal do Instituto Florestal Tropical. Treinou mais de mil profissionais na sua técnica.
Agora Ceará e outros quarenta profissionais (pesquisadores, técnicos e comunitários) que atuam no manejo sustentável da floresta na Amazônia são os professores do Florestabilidade, um ambicioso programa de estímulo e formação de jovens do ensino médio para aprender a gerar riqueza a partir do uso sustentável da floresta.
A iniciativa do Serviço Florestal Brasileiro, Fundo Vale e Fundação Roberto Marinho deve alcançar dezenas de milhares de jovens da região amazônica, que, apesar das origens, conectam-se cada vez menos com a riqueza da floresta e suas possibilidades em materiais, alimentos, essenciais, ativos farmacêuticos e todo o sofisticado conhecimento das comunidades amazônica associado a estes produtos e suas técnicas de manejo.
Este é um momento especial para o esforço de valorização da floresta. Depois de oito anos de queda no desmatamento da Amazônia os sistemas de detecção do Inpe e Imazon voltam a dar sinais de reversão de tendência, e apenas o reforço das ações de comando e controle não terá a eficácia de outros tempos pela mudança dos vetores que causam o corte da floresta, em especial em terras públicas.
O ser humano protege aquilo com que se importa, em que vê valor — econômico, cultural ou espiritual. Por isso é fundamental disseminar o conhecimento sobre a floresta, a sua sustentabilidade e habilidade de sua gente.
Dona Margarida, líder comunitária na Reserva Extrativista Verde para Sempre, no Pará, assim descreve o valor da floresta: “Quanto tenho fome não vou à feira, se preciso de remédio não vou à farmácia, quando quero lazer não vou viajar. Para tudo isso eu vou à floresta, que me dá o fruto, a caça, a erva e a sombra. Isso pra mim é florestabilidade.”
Publicado em O Globo, em 14/11/2012