quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Corda Bamba Climática


Estamos numa corda bamba climática sem rede de proteção. Às vésperas da 24ª Convenção sobre as Mudanças Climáticas da ONU (COP 24), que acontece entre 2 e 14 de dezembro, em Katowice, na Polônia, um novo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), publicado no dia 22, diz que as emissões de dióxido de carbono (CO₂) no planeta atingiram um nível recorde em 2017. Enquanto isso, os dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), divulgados no dia anterior, apontam que elas diminuíram no Brasil. A redução foi de 2,3% em 2017 e está diretamente ligada à diminuição de 12% no desmatamento da Amazônia.

O país emitiu 2,071 bilhões de toneladas brutas de gases causadores do efeito estufa no ano passado, contra 2,119 bilhões de toneladas em 2016. Mas esta notícia não é necessariamente boa.
Para começar, poderia ter sido bem menos, caso não houvesse o aumento de 11% no desmatamento do Cerrado. Fora isso, quase todos os setores da economia tiveram aumento nas emissões, coincidindo com o abrandamento da recessão da economia do país.

O agronegócio continua sendo o setor  com maior emissão, respondendo por aproximadamente 71% do total – isso inclui a derrubada da floresta para lavoura e pasto, a criação de gado, cultivo de alimentos, transporte de carga etc. O maior problema, porém, é que o Brasil vem se mantendo há sete anos num patamar de emissões alto, com essas variações que acompanham os humores da economia e a taxa de desmatamento – que ainda é a maior do mundo. Em 2016, por exemplo, houve um aumento de cerca de 8% nas emissões em relação a 2015, justamente por causa do crescimento da destruição do verde.  E dias atrás foi anunciado que entre 2017 e 2018 o desmatamento voltou a crescer na Amazônia e chegou na maior taxa em uma década.

Mas é justamente essa particularidade, a relação entre desmatamento e as emissões do agronegócio, que pode nos levar em segurança ao outro lado do precipício. O Brasil tem tecnologia de ponta para a chamada agricultura de baixo carbono. É possível produzir mais sem a necessidade de derrubar tantas árvores. Reduzindo ao máximo o desmatamento e usando mais racionalmente as terras reservadas para a lavoura, podemos diminuir pela metade as emissões no setor em menos de quatro anos. Seria bom para a nossa economia e para o clima do planeta. Países mais industrializados certamente terão mais dificuldade de fazer essa travessia. A OMM alerta que é urgente restringir emissões antes que as mudanças climáticas tragam consequências irreversíveis. Ainda podemos evitar a queda, mas temos que ser rápidos.

Publicado em O Globo, 28.11.2018

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Meia-Volta, Volver!



- Esta e a natureza da democracia, ela é dura, as vezes conturbada e conflituosa e nem sempre inspiradora. Quem perde uma eleição deve refletir sobre os erros se refazer e voltar o jogo mais preparado da próxima vez. Devemos assumir a presunção de boa fé dos eleitores. Pois esta presunção é essencial para uma democracia vibrante e funcional. Farei o possível para que o próximo presidente tenha sucesso.  A presidência é como uma corrida de revezamento em que você recebe o bastão e corre a sua melhor prova na esperança de entregar o bastão ao próximo corredor numa posição melhor do que recebeu. Enfim estamos no mesmo time. 

Estas foram palavras que Barack Obama em discurso logo após a vitória de Donald Trump nos EUA. A esperança daquele momento é que ao receber a presidência pudesse baixar o tom beligerante e rever algumas das propostas de campanha mais esdruxulas. Infelizmente isso não aconteceu. Tirou os EUA do Acordo de Paris (é o único entre todos os países do mundo que saiu do Acordo), nomeou um inimigo da agenda ambiental para comandar a principal agência ambiental do país, rasgou acordos comerciais, atacou diariamente a imprensa e muito mais.  Felizmente a força instituições e dos estados Americanos tem contrabalançado o estrago das políticas anti-socioambientais de Trump.

A eleição de Jair Bolsonaro provoca sentimentos semelhantes no país, com agravante de que nossas instituições e estados são muito menos consolidadas. Durante a campanha Bolsonaro anunciou diversas propostas ou medidas preocupantes como tirar o Brasil do Acordo de Paris, incorporar o Ministério do Meio Ambiente (MMA) no Ministério da Agricultura (MAPA), exonerar de investigação mortes causadas por policiais e criminalizar o trabalho das ONGs. 

Nos últimos dias de campanha amenizou o tom sugeriu que não faria a fusão dos ministérios e permaneceria no Acordo de Paris. Ambas medidas que tinham recebido enorme resistência dos diversos setores empresariais e da sociedade civil. Mas, menos de 48 hs depois de eleito já dá sinais de que não pretende mesmo ser um governo de união. Anunciou que vai mesmo fundir o MMA com o MAPA. No congresso seus aliados planejam votar ainda esta semana um artigo que torna praticamente todo tipo de ato publico de protesto passível qualificação como terrorismo.

O presidente eleito precisa entender que não é mais candidato favorito de um terço da população que lhe confiou o voto, mas presidente de Brasil e, portanto, deve atender aos anseios de toda sociedade em especial aos mais vulneráveis e aos bens de interesse coletivo como o meio ambiente saudável para todos. Para ter sucesso como presidente Bolsonaro terá de dar meia volta nas propostas mais radicais sob pena de, ao não fazê-lo, dividir e isolar o país em vez de uni-lo conectado ao mundo.


Publicado em O Globo em 31.10.2018