quarta-feira, 3 de abril de 2019

A Internet da Energia



A mais longa linha de transmissão de energia elétrica no mundo está no Brasil e liga as usinas de Santo Antônio e Jirau em Porto Velho (RO) a Araraquara (SP), num trajeto de 2400 quilômetros. Mas este é um recorde destinado a ser batido várias vezes nos próximos anos com a implantação das linhas de transmissão intercontinentais.

Transmitir energia por longas distâncias é fundamental para massificar a adoção de fontes renováveis de energia. As unidades geradoras muitas vezes estão longe dos centros de consumo, como acontece com parte das hidrelétricas e parques eólicos no Brasil.  O SIN (Sistema Interligado Nacional) permite o encontro entre a geração e o consumo.

Quando a eletricidade é gerada em térmicas a carvão, derivados de petróleo e gás, não existe necessidade de transmitir energia a grandes distâncias; opta-se por transportar o combustível para o local das usinas. Mas esta solução, que representa a maior parte da geração de eletricidade no mundo hoje, é uma das principais fontes de poluição. À medida que precisamos melhorar a qualidade do ar e reduzir as ameaças das mudanças climáticas provocadas pela emissão de gases de efeito estufa, teremos que multiplicar o uso de energias renováveis.

Um sistema interligado global irá conectar os locais de grande potencial de geração de energia solar, eólica, geotérmica e hidrelétrica com os centros de consumo, ao mesmo tempo que permitirá equalizar oferta e demanda nas diferentes horas do dia e condições de geração (por exemplo, presença de vento ou disponibilidade hídrica). Será uma espécie de internet da energia – pode ser gerada e consumida em qualquer parte.

O grande limitador para gerar este grid global é a perda de energia no transporte a grandes distâncias. Os sistemas de alta voltagem, dominantes hoje, têm perda de 6% a 20% a cada mil quilômetros, tornando inviável, por exemplo, atravessar o Atlântico. Nos últimos anos, com o desenvolvimento de novas tecnologias de transmissão de energia de ultra alta voltagem, que reduzem as perdas a 2% por mil quilômetros, a possibilidade de constituir um grid interconectando os continentes e regiões passou a ser uma possibilidade concreta.

A iniciativa Global Energy Interconnection, que conta com o Nobel de Física Steven Xu como um dos líderes e tem forte suporte da China, está promovendo um mapa do caminho para criar esta internet da energia até 2030 e interconectar todo o planeta até 2050.

Parece um sonho distante, mas vale lembrar que o primeiro cabo de fibra óptica intercontinental foi instalado nos anos 1990, ligando os EUA à Europa. Hoje, são mais de 1 milhão de quilômetros de cabos de fibra ótica instalados ligando todos os continentes e por onde passam 99% do tráfego da internet. Da mesma forma como esta infraestrutura possibilitou a democratização do acesso à informação e comunicação, pode acontecer com a energia através do grid global.

Publicado em O Globo, 03.04.2019