O ciclo de preparação e aprovação de projetos de cooperação internacional leva anos até que os recursos cheguem, e o projeto possa ser implementado e dar resultados.
Foi observando uma gôndola de tomates orgânicos no supermercado em meados de 2007 que tive o estalo. Pagamos um preço mais alto por aquele tomate porque ele já era certificado como orgânico, e não porque havia uma promessa de sê-lo no futuro. O valor que pago a mais poderá ser usado como o produtor decidir, mas este saberá que se da próxima vez não tiver produto certificado, não receberá o prêmio.
Desenhamos então em algumas semanas a proposta de um fundo que receberia recursos proporcionais à redução de emissões de carbono pelo desmatamento na Amazônia Brasileira. Assim foi criado o Fundo Amazônia. O mecanismo é simples, mas robusto. O Inpe mede o desmatamento anual, e os dados são submetidos a um comitê científico que avalia quanto houve de redução de emissões comparado com a média dos dez anos anteriores e autoriza a captação doações na proporção de US$ 5 por tonelada de emissões carbono efetivamente reduzida.
A redução do desmatamento é resultado de ações de inúmeros atores na esfera pública, privada e do terceiro setor. Por isso, o Amazônia foi criado como um fundo privado de interesse público gerido pelo BNDES. Os recursos não pertencem ao governo.
Para definir as regras e prioridades de destinação dos recursos, foi estabelecido o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), com 23 membros, incluindo representantes de oito ministérios, dos nove governos dos estados da Amazônia, dois do setor privado, um da academia, um dos trabalhadores rurais, um das populações indígenas e um do Fórum Brasileiro de ONGs.
O Cofa não avalia ou aprova projetos para evitar qualquer conflito de interesses. Para acessar os recursos, qualquer organização — seja de governo, academia, empresas e ONGs — tem que apresentar projeto. O ciclo de aprovação e gestão é feito pelo BNDES e auditado de forma independente tanto pelo conteúdo e impacto quanto nos aspetos financeiros e contábeis.
As regras do Fundo Amazônia foram propostas integralmente pelo Brasil, e foi com base nelas que foram assinados os contratos de doação da Noruega e Alemanha. Os doadores aportam os recursos e não dão palpite sobre os projetos e iniciativas a serem apoiadas desde que as regras e a governança acordada sejam preservadas.
Em dez anos, o Fundo recebeu mais de R$ 3 bilhões e viabilizou projetos de governo (dois terços dos recursos) e sociedade civil que tornaram possíveis verdadeiras revoluções, como a implementação do Cadastro Ambiental Rural e o Programa Origens Brasil — só para citar dois.
O Amazônia se tornou o maior fundo de proteção de florestas e a maior iniciativa de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação do planeta, tendo inspirado a criação de mecanismos similares em países como Indonésia, Guiana, Colômbia e Peru.
É um time que está ganhando, de goleada, e não tem qualquer motivo para ser desfeito. Mas este não parece ser o entendimento do governo federal. Num movimento despropositado, o Ministério do Meio Ambiente levantou suspeitas sobre a gestão do fundo que se mostraram infundadas. E agora tenta mudar as regras do jogo, desfigurando o Cofa e querendo desviar os recursos para aplicar em indenizações, o que não é permitido nem pelas regras do Fundo nem do BNDES.
Ao fazer este movimento brusco, o governo federal pode fazer a sociedade brasileira perder quase R$ 2 bilhões. Não merecemos isso com tamanha crise que vivemos. Alô, Paulo Guedes! Pode isso?
Publicado em O Globo em 29.05.2019