quarta-feira, 25 de setembro de 2019

O cerco ambiental das crianças



Minha filha nasceu em 2009. Foi um ano de esperança. O desmatamento estava despencando no Brasil, e na preparação para a Cúpula do Clima em Copenhague, países e empresas assumiam compromissos para acabar com desmatamento e reflorestar o mundo.

Embora não tenhamos conseguido o acordo em Copenhague, continuamos nossa jornada construindo impulso para o Acordo de Paris em 2015. Minha filha tinha 6 anos e me perguntou sobre o meu trabalho. Expliquei solene que estávamos construindo um acordo para, juntos, todos os países e povos, deixar um planeta melhor para a geração dela.

Clara completou 10 anos e me pergunta: “Por que você viaja tanto, trabalha tanto e, em vez de cair, o desmatamento está subindo? O que vocês, adultos, estão fazendo parece não estar funcionando. O que vão fazer para consertar?”

Na última década, mais de 200 grupos econômicos concordaram em trabalhar para reduzir pela metade o desmatamento tropical até 2020 e encerrá-lo em 2030. Centenas de empresas se comprometem a limpar sua cadeia de suprimentos do desmatamento até 2020. Países e empresas se comprometeram a colocar em restauração 150 milhões de hectares de florestas até 2020 e 350 milhões de hectares até 2030.

Dez anos depois, não temos muito a comemorar. O progresso nos objetivos de proteção e restauração das florestas são mínimos e, em alguns casos, inexistentes. Depois de cair imensamente entre 2004 e 2012, o desmatamento voltou a crescer no Brasil e explodiu em 2019.

Apesar de algumas boas notícias aqui e ali (como o declínio do desmatamento na Indonésia em 2017-2018), nos últimos cinco anos, a derrubada de florestas globalmente cresceu 44% em comparação com os cinco anos anteriores. A degradação das florestas e dos solos segue a mesma tendência.

As promessas de restauração florestal ultrapassam os 170 milhões de hectares, excedendo os 150 milhões estabelecidos para uma meta em 2020, mas ainda a meio caminho da meta para 2030. Mas, quando olhamos para as estimativas do que está sendo efetivamente restaurado, é inferior a 20% do que nos comprometemos a alcançar em 2020.

Os dados lançados recentemente pelo MapBiomas mostram que o Brasil tem uma estimativa de mais de 40 milhões de hectares de vegetação natural em regeneração. O que parece ser uma excelente notícia é, na verdade, uma constatação desoladora.
Mais de 95% desta área não são resultado de um processo virtuoso de restauração. De fato, são áreas degradadas que foram abandonadas.

Uma análise dos últimos 30 anos mostra que a cada dez hectares de florestas primárias desmatadas, seis se tornaram pastagens de baixa produtividade, três são abandonadas e apenas um hectare se tornou terra agrícola produtiva ou infraestrutura urbana.

Isso não faz nenhum sentido.

Algumas iniciativas, como a moratória do desmatamento para soja na Amazônia, iniciada em 2008, provaram ser um sucesso. As plantações de soja em áreas que eram florestas até 2008 são realmente mínimas. Mas, infelizmente, as empresas relutam em expandir o mecanismo para outros biomas (o Cerrado e o Chaco, onde o desmatamento corre solto) ou outras commodities.

Estamos falhando em alcançar nossos objetivos para um manejo sustentável no planeta. Não por uma pequena margem. Na verdade, estamos muito longe de nossas metas.

O ponto de ruptura dos ciclos de preservação da vida no planeta pode estar muito próximo e não podemos nos dar ao luxo de atravessá-lo. Não podemos esperar o próximo plano de dez anos para agir.

É hora de limpar as cadeias de suprimentos de qualquer coisa relacionada ao desmatamento, seja legal ou ilegal. É preciso que empresas falem em alto e bom som contra qualquer movimento para minar as áreas protegidas e os direitos indígenas.

Para as empresas de hoje, não basta ser do bem. É preciso serem ativistas dos negócios.


É o que minha filha diria. É isso que a Greta Thunberg e as crianças do mundo estão gritando conosco. Esse é o legado para o qual vale a pena existir.

Publicado em O Globo, 25.09.2019