Pelo segundo ano consecutivo, o Relatório de Riscos Globais preparado pelo Fórum Econômico Mundial aponta temas ambientais como os maiores riscos à Humanidade. E os extremos climáticos e o insucesso com ações de combate às mudanças climáticas são destacados como riscos maiores inclusive que pandemias de doenças infecciosas, ataques cibernéticos ou terrorismo.
É significativo que o relatório seja compilado a partir de uma extensa pesquisa com líderes empresariais e formadores de opinião em todo o mundo. Paulatinamente, entre 2015 e 2020 a agenda climática foi tomando espaço na análise de risco global, turbinada pelos movimentos da sociedade civil — em especial da juventude — em todo o mundo, pressionando por compromissos e ações imediatos.
Parece que a ficha caiu sobre a gravidade da situação e a necessidade de nos movermos rapidamente enquanto ainda existem enormes oportunidades, em vez de se mover no futuro, quando será pura dor.
Neste contexto, já não é mais suficiente se comprometer em monitorar e se tornar mais eficiente nas emissões por quantidade de produtos ou faturamento. Nem se comprometer em apenas reduzir as emissões absolutas.
A conta é simples. Segundo o IPCC, o mundo pode emitir 770 GtCO2e (bilhões de toneladas de CO2 equivalente) até o fim do século para ter cerca de 50% de chance de limitar o aquecimento global a 1,5 grau, conforme previsto no Acordo de Paris. Hoje emitimos entre 55-60 Gt por ano e, neste ritmo, bem antes da metade do século teremos consumido o "orçamento de emissões". Por isso, todos os cenários de modelos climáticos compatíveis com 1,5 grau apontam a necessidade de termos emissões líquidas abaixo de zero na segunda metade do século.
Dezenove das 20 maiores corporações globais — excluindo a Saudi Aramco (gigante estatal do petróleo) — possuem políticas e compromissos de emissões neutras nas próximas décadas. Varia o escopo (se são emissões diretas ou indiretas), o meio de neutralização (se zerando emissões ou compensando com ações ou compra de créditos de carbono) e os prazos. Mas todos no mesmo sentido — zerar sua contribuição para acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera.
O mesmo se passa agora com os países ao proporem seus compromissos frente ao Acordo de Paris. Apenas anunciar um esforço de redução relativa não funciona mais. Especialmente dos países desenvolvidos, se espera nada menos que a definição de quanto antes de 2050 da neutralização das emissões na escala nacional.
Como consequência, outros zeros estão se tornando normais, como zerar o consumo de combustíveis fósseis e seus derivados e zerar o desmatamento e a degradação do solo.
Este novo normal é o maior direcionador de um movimento sem precedentes de investimento em todas as tecnologias, inovações, modelos de negócio e transformações necessárias para gerar uma sociedade próspera a partir de uma economia independente de emissões.
Se você ainda não percebeu esse novo normal, corra para não ser atropelado pela história.
Publicado em O Globo em 03.02.2021