Há 20 anos o Projeto Saúde & Alegria, em Santarém, leva saúde e apoio a comunidades no oeste do Pará. Fundada pelo médico Eugenio Scanavino e seu irmão Caetano, a ONG faz um trabalho de base que atende centenas de famílias ribeirinhas e extrativistas e inclui um barco-hospital — que foi pioneiro neste tipo de atendimento —, projetos de produção agroextrativista, estímulo e capacitação para o cooperativismo, educação e, nos últimos dez anos, a prevenção e controle das queimadas.
Receberam inúmeros prêmios, como o das 100 melhores ONGs do Brasil, e são referência no mundo todo. São também muito combativos. Lutam intensamente pelo direito das populações tradicionais e a proteção da floresta. Este ano, com o aumento do desmatamento e do fogo na região, o Saúde & Alegria, juntamente com várias organizações da sociedade civil, denunciou os grileiros e os loteamentos que ameaçavam as áreas de proteção ambiental do balneário de Alter do Chão. Apoiou a formação de brigadistas com apoio do Corpo de Bombeiros. Um grupo de voluntários criou a Brigada de Alter do Chão, incluindo um técnico que trabalha no Saúde & Alegria.
Os integrantes da Brigada fizeram denúncias, levaram informações para os investigadores — inclusive imagens das queimadas — e correram atrás de recursos para viabilizar o combate aos incêndios, enquanto o governo cortava orçamento dos programas de controle do fogo.
Na manhã desta terça-feira, a Polícia Civil do Pará prendeu temporariamente quatro voluntários da Brigada de Alter do Chão, acusando-os de provocar os incêndios para obter vantagem financeira, e de quebra vasculharam a sede do projeto e apreenderam todos os seus equipamentos e documentos.
O oeste do Pará — com uma área duas vezes maior que o Estado de São Paulo — é a região campeã de desmatamento no estado que mais desmata no país. Como bem mostrou uma reportagem do “Fantástico” no auge do fogo este ano, existiam apenas meia dúzia de funcionários do Ibama e ICMBio para cuidar da região, sem recursos para fiscalizar o desmatamento e as queimadas. Neste contexto, as brigadas de voluntários se tornam muitas vezes o único recurso disponível para fazer frente aos incêndios.
É estarrecedor que, em vez de correr atrás dos criminosos que anunciaram em alto e bom som pelo WhatsApp o fogo proposital ao longo da BR-163, a polícia prenda os que atuam como bombeiros e amarre as mãos de uma organização líder na promoção da sustentabilidade na Amazônia. São tempos realmente sombrios.
Publicado em O Glogo em 27.11.2019