domingo, 1 de março de 2020

Caiu a ficha?


Parece que a entrada na nova década deu o impulso que faltava para que caísse de vez a ficha dos agentes econômicos globais sobre a necessidade de ação urgente para o enfrentamento das mudanças climáticas globais e a proteção dos recursos naturais.

Em janeiro, Larry Fink, o fundador e principal executivo da BlackRock, a maior gestora de investimento do planeta, com US$ 7,4 trilhões em ativos (mais do que o PIB de toda a América Latina), publicou sua carta anual aos CEOs e investidores, na qual decreta de saída: “As alterações climáticas tornaram-se um fator decisivo nas perspectivas das empresas a longo prazo (...) Muitos enfatizaram o impacto significativo e duradouro que elas terão no crescimento econômico e na prosperidade – um risco que, até agora, os mercados têm sido lentos em refletir. Mas a consciência está mudando muito rapidamente, e acredito que estamos à beira de uma mudança estrutural nas finanças”. Larry aponta que o risco climático irá impactar tanto o nosso mundo tangível como o sistema global que financia o crescimento econômico, e isso fará com que “num futuro próximo – e mais cedo do que muitos preveem – haverá uma realocação significativa de capital”.

Pouco dias depois, a agenda de clima e ambiente foi o assunto principal do Fórum Econômico Mundial que acontece anualmente na pequena Davos, nos Alpes Suíços.  O que parecia ser uma agenda do futuro aterrissou assustadoramente no presente diante da Austrália em chamas, a pior seca em um século na Índia, as ondas de calor que mataram milhares ao redor do mundo e a aceleração dos eventos climáticos extremos em escala regional, que duplicaram em frequência e intensidade nas últimas duas décadas.

Até 2009, temas de sustentabilidade sequer apareciam entre os cinco temas de maior risco para a economia global na pesquisa anualmente feita pelo Fórum Econômico Mundial com CEOs e líderes de todo o mundo. Em 2020, todos os cinco temas de risco eminente estavam relacionados com as mudanças climáticas e meio ambiente, como intensificação de eventos extremos, falha em reduzir emissões, falta de investimento em adaptação e perda de biodiversidade.

Em outro front, gigantes globais da economia digital como Google, Amazon e  Microsoft anunciaram recentemente metas de descarbonizar toda a sua cadeia de valor, ou seja, tornarem carbono neutro ou negativo (captura mais do que emite) nas próximas duas décadas.

Infelizmente, o Brasil, que sempre liderou a agenda climática, tem sido o destaque negativo. Descuidou da agenda de combate ao desmatamento – nossa principal fonte de emissões – e tratou com descaso toda a agenda de sustentabilidade, desfigurando o aparto de controle ambiental e proteção dos recursos naturais do país. É o estranho no ninho,  na contramão de onde caminha o mundo. 

Felizmente, a ficha caiu para boa parte das lideranças do Congresso Nacional, e o governo não terá vida fácil para aprovar novas medidas de descalabro com destruição da maior fonte de riqueza e prosperidade do Brasil, que são seus recursos naturais e culturais.

Nunca é demais torcer para que a ficha algum dia caia para o presidente Bolsonaro e seu círculo de poder.

Publicado em O Globo em 26.02.2020