Uma tempestade perfeita está se formando na Amazônia, com potencial devastador para a saúde: a mistura da pandemia de Covid-19 com as queimadas.
Todos os anos, entre julho e novembro, acontece a temporada de queimadas em grande escala na Amazônia. A fumaça gerada pelas queimadas aumenta de forma crítica os casos de internação e óbitos relacionados a síndromes respiratórias, como mostram os estudos do Observatório de Clima e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz. Em 2019, por exemplo, as regiões onde se concentraram as queimadas tiveram quase o dobro do índice de internação de crianças (0-10 anos) com insuficiência pulmonar em relação às regiões sem queimadas.
Queimadas naturais são evento raríssimo na Amazônia. Elas são essencialmente resultado da ação humana, decorrente da atividade de desmatamento e limpeza de pasto. O processo de desmatamento tem basicamente três etapas na região: o corte das árvores maiores para serem aproveitadas (isso quando são aproveitadas), seguido do corte raso da vegetação remanescente, e depois de dois meses secando é colocado fogo para reduzir o volume de galhos e troncos.
Desde abril de 2019, o desmatamento está acelerando na Amazônia. No primeiro trimestre de 2020, a área desmatada detectada aumentou mais de 50% em relação ao mesmo período de 2019. E, como mostram os dados do MapBiomas Alerta, mais de 95% do desmatamento são ilegais.
Alem disso, o embargo e as ações de combate ao fogo na Amazônia entre agosto e outubro tiveram resultado em reduzir as queimadas, mas não tiveram efeito no desmatamento, que continuou crescendo. Com isso, como notou estudo recente em publicação do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, a quantidade de combustível para queima em 2020 está muito acima do que normalmente é esperado para esta época do ano.
O período seco na Amazônia está começando e se estende até o final de outubro. Se não for desmontada a máquina de desmatamento e queimadas, o sistema de saúde, que já está saturado, entrará em completo colapso.
É preciso agir já e rápido: o Congresso deve rejeitar a MP 910, que altera as regras de regularização fundiária no Brasil e provocou uma corrida a ocupação e desmatamento de terras publicas na Amazônia. O governo federal deve usar os seus poderes para decretar a moratória do desmatamento e do uso do fogo na Amazônia enquanto durar o estado de calamidade pública provocado pela pandemia da Covid-19 e alocar os recursos necessários para que os órgãos de controle fiscalizem o cumprimento da moratória.
Se não agirmos rápido, nos restará torcer para a chegada da chuva e da vacina enquanto contamos os corpos da tragédia anunciada.
Publicada em O Globo em 29.04.2020