sexta-feira, 29 de maio de 2020

Ao Mestre e Amigo Rubens Gomes




Estava em Itacoatiara no interior do Amazonas quando ouvi falar de um luthier que queria montar uma escola de luteria em Manaus usando espécies da Amazônia. Fiquei muito intrigado afinal é muito inesperado produzir violões numa cidade com 90% de umidade e ainda usando espécies desconhecidas da Lutheria. Arrumei um jeito de encontrá-lo no dia seguinte. Nos encontramos num pequeno restaurante de beira de estrada próximo de Rio Preto da Erva. 

Havia anos Rubens vinha pesquisando o uso de madeiras da Amazônia que coletava em pastos queimados e áreas abandonadas para fazer violões artesanais – a arte da Lutheria. Foi professor de música e Lutheria numa faculdade amazonense, mas queria lidar com os sem oportunidade, com a periferia e resolveu abrir uma escola para crianças e jovens aprenderem o ofício. Estava se instalando bairro do zumbi, na violenta zona leste de Manaus. Precisa de apoio para dar o pontapé inicial na escola, me contou. Sempre me interessei pela interface entre música, e florestas afinal não são poucas as espécies raras utilizada para criar os instrumentos como Ébano para os Clarinetes, Jacarandá da Bahia e Mogno para os violões e claro o Pau Brasil para os arcos de violino. Eu contei do trabalho que fazíamos para promover o manejo sustentável da floresta e ele imediatamente associou as duas ideias – “excelente, daqui pra frente vamos usar madeiras certificadas”.

Eu perguntei se o instrumento era bom mesmo e sua resposta foi me entregar uma caixa com um de seus violões e emendar: “você está indo para São Paulo né? Leva este Rubens Gomes e teste. Se não for bom eu faço outro até ficar bom”.

Uma semana depois fui a Rio encontrar o amigo Perfeito Fortuna. Levamos o violão para Turíbio Santos e o Paulinho da Viola avaliarem. Ficaram encantados com o fato de ter nas mãos um instrumento tão bom vindo de um luthier desconhecido da Amazônia e com madeiras que nunca tinham visto. Voltei a Manaus e meses depois nascia a Oficina Escola de Lutheria da Amazônia na sala da casa do Rubens e atendendo jovens da periferia de Manaus. 

Rubão era essa pessoa marcante que todos lembrar como e onde o conheceram. 

Via a Lutheria como uma arte e ciência capaz de transformar a vida de uma pessoa, uma família, uma comunidade e toda Amazônia. Era capaz de passar horas me explicando como o corte da madeira deveria ser feito para que o som fluísse harmônico ao mesmo tempo que cuidava para que quem aprendesse na escola enxergasse o mundo a sua volta.

Se embrenhava pela floresta e as comunidades para promover o manejo florestal sustentável não só de madeira mas de açaí, castanha, peixe e o que mais houvesse.

Cordial e com um jeito informal nos fazia ficar à vontade mesmo nas conversas mais difíceis. Transitava bem em qualquer situação, conversando com o CEOs das empresas, produtores extrativistas, celebridades, ministros, cientistas e indígenas.

Teimoso, muito teimoso. E não tinha tempo ruim. Tudo tinha um jeito. Brigava com todo mundo quando se tratava de defender a Amazônia mas sempre terminava com um churrasco e alguma ideia para ir a frente.

Em nossos encontros o Açaí está estava sempre presente. Nunca se conformou com minha mistura com mel – Açaí é com peixe e farinha! Dizia resignado.

Músico, luthier, educador e ativista por onde passou Rubens deixou um legado de diálogo e construção para um mundo sustentável. Foi assim no FSC, no Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), na Associação do Produtores Florestais de Boa Vista dos Ramos e na Cooperativa Amazonbai do seu Amapá entre tantas outras iniciativas que tiveram o privilégio de contar com o Rubão.

Mesmo acometido de um enfisema que o levaria a um transplante de pulmão em 2018, nunca parou de trabalhar e pensar a Amazônia. 

Quando fui visita-lo em Porto Alegre após o transplante sentamos com a Jéssica – a inseparável esposa e companheira de todas as horas – e por horas enquanto comíamos um peixe com Açai (o meu com bastante mel) ele falou dos planos para os próximos 30 anos (afinal o pulmão é novinho, dizia). 

Rubão é pra mim e a outra forma de dizer mestre e amigo. 

A Amazônia perdeu um guerreiro, o socioambientalismo perdeu uma referência e eu perdi o chão.

Rubão, vou comer um Açai do Bailique com farinha e peixe do jeito que vc sempre insistiu ser o certo.

Vai em paz amigo.