terça-feira, 2 de junho de 2020

No desmatamento a legalidade é exceção



Acaba de ser lançado o primeiro Relatório Anual de Desmatamento do Brasil cobrindo todo o país. Ele indica que só em 2019 foram detectados e confirmados 56,8 mil alertas de desmatamento,  que devastaram 12.187 quadrados  de vegetação nativa no país, sendo 63% da Amazônia, 33,5% no Cerrado e 3,3% na Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal e Pampa. O estudo constatou que mais de 99% dos desmatamentos não foram autorizados ou se sobrepõem com áreas protegidas; portanto, têm fortes indícios de serem ilegais.

O relatório é produto do MapBiomas,  um consórcio mais de 20 instituições entre universidades, ONGs e empresas de tecnologia que monitoram as mudanças no território brasileiro através do uso de técnicas de aprendizado de máquina e inteligência artificial aplicadas ao sensoriamento remoto por satélite.  Partindo dos alertas de desmatamento gerados pelo INPE e outras instituições,  os pesquisadores avaliaram cada um dos 168 mil alertas emitidos pelos diferentes sistemas de detecção de desmatamento e consolidaram, validaram e refinaram os alertas com imagens de satélites diárias e de alta resolução. Assim, conseguiram determinar exatamente quando e onde aconteceu cada desmatamento no país.

Cruzando estes alertas com as bases de dados oficiais do Cadastro Ambiental Rural e de autorizações de supressão da vegetação, descobriu-se que em mais de 75% da área desmatada é possível  identificar um CPF ou CNPJ de um responsável pela área (que se autodeclarou!) e,  portanto,  responsabilizá-los pelo desmatamento ilegal remotamente, independentemente de fiscalização no campo. Dizer que é preciso  dar título em terra pública para poder responsabilizar é não só ilógico,  como imoral,  ao premiar invasores de terras publicas que cometeram um ato ilegal.

Por outro lado, um ponto positivo: menos de 1% dos mais de 5,6 milhões de imóveis rurais cadastrados no CAR teve desmatamento em 2019.

É a primeira vez no mundo que se consegue mostrar de forma tão detalhada, clara e objetiva o perfil do desmatamento de um país. Para cada alerta que cruza um imóvel rural foi preparado um laudo indicando sobreposição com áreas protegidas ou de uso restrito, a existência de autorização para o desmatamento ou de embargo por irregularidades anteriores.

É hora de dar um basta na ilegalidade. Aqui as tarefas de forma bem clara: órgão ambientais devem notificar, autuar, multar e embargar todos os imóveis com desmatamento ilegal constantes no CAR; bancos,  bloquear crédito para toda propriedade com desmatamento ilegal; empresas do agronegócio devem oferecer controle de origem de todos os seus produtos para garantir  que não se relacionam com produtos do desmatamento; e Ibama  e demais órgãos de controle devem focar a fiscalização nas áreas protegidas e onde tenham maior chance de pegar os infratores em flagrante.

Os dados e os instrumentos estão na mesa e disponíveis gratuitamente para que governos, Ministério Público e empresas atuem de forma decisiva para estrangular o desmatamento ilegal que mina nossos recursos naturais e destrói a reputação do país.

Saiba mais sobre MapBiomas Alerta

Publicado em O Globo em 30.05.2020