O Ministério da Agricultura lançou recentemente o seu Plano Estratégico 2020-2027, com tudo a que um plano tem direito: missão, visão, objetivos estratégicos, programas e metas. Coisa rara no atual governo.
Não tive dúvidas e mergulhei nas 40 páginas do documento. Decepcionante. Missão e visão vagos e bem tradicionais. Quase nada de inovação ou inspiração.
A análise de contexto desconsidera ou apenas tangencia os principais desafios e questões colocadas à mesa da produção agropecuária no mundo, como o enfrentamento das mudanças climáticas que afetam diretamente a produção agropecuária, a conservação do solo e da água, a substituição da proteína animal por vegetal e a sintetização dos alimentos (new food).
Mas o mais incrível é a total ausência de qualquer referência ao elefante na sala da ministra da Agricultura: o desmatamento. Aliás, o elefante também já chegou aos gabinetes do Ministério da Economia e do Itamaraty.
O desmatamento, especialmente na Amazônia, é o centro da preocupação global com o Brasil, como mostra a carta dos 29 dos maiores fundos globais ameaçando retirar investimentos do país caso não consigam garantias de que o problema não contaminará seus negócios.
Mais de 95% das áreas desmatadas no Brasil são ocupados por atividades agropecuárias (e mais de 99% do desmatamento têm fortes indícios de ilegalidade). A agropecuária é, assim, o maior responsável ou beneficiário direto do desmatamento.
Mas, como diz a ministra Tereza Cristina e todos os seus antecessores desde Roberto Rodrigues em 2003, o Brasil não precisa derrubar mais um hectare de floresta ou vegetação nativa para continuar sendo a potência agropecuária e se tornar o maior produtor de alimentos do planeta. O problema é que a retórica não encontra eco na prática e, como se vê agora, nem mesmo no planejamento.
O plano do Ministério da Agricultura ignora a necessidade de desvincular o agronegócio brasileiro do desmatamento pela concreta redução das taxas de derrubada da mata e a implementação de um programa robusto de rastreabilidade da produção. Em vez disso, promete um programa de comunicação para conter as notícias negativas sobre o Brasil.
No plano, uma das poucas referencias à biodiversidade é como uma "oportunidade para agregação de valor, tais como explorar melhor o conceito de 'brasilidade' e fortalecer a marca do país”. Para a Amazônia, uma única referência, no Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar na Amazônia Legal, com a meta pífia de atender 13 mil produtores familiares até 2023 e só.
É hora de tirar o elefante da sala, não com plano de comunicação, mas com o compromisso sério de zerar o desmatamento na expansão da agropecuária brasileira, massificar agricultura de baixo carbono e tornar rastreável toda a produção nacional.
Com estes três pilares resolvidos, a agropecuária brasileira será certamente o maior cartão de visitas do Brasil para sua inserção global.
Publicado em O Globo em 25.06.2020