quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A última fatia do bolo: desafio do novo acordo global de clima (versão tv cultura)

Chuvas torrenciais, secas sem precedentes. as alterações climáticas estão ficando mais visíveis a cada dia. porque esse assunto se tornou uma das mais importantes discussões de nosso tempo e o que isso tem a ver com o cotidiano de cada um de nós?

A comunidade científica aponta a emissão de gases de efeito estufa como a principal responsável pelo aumento da temperatura na terra. governantes, cientistas e sociedade debatem a responsabilidade de cada país e de cada um de nós nas transformações climáticas do planeta.

A série “mudanças climáticas: rumo a um novo acordo global”,  é uma parceria da cpfl e planeta sustentável, que teve como curador o engenheiro florestal tasso azevedo, que neste programa fala sobre o desafio para o novo acordo global de clima. ele nos remete a questionamentos a respeito da economia que queremos seguir para um desenvolvimento sustentável e, se ainda há tempo de reverter com nossas ações o aquecimento do planeta, de que forma?



http://vimeo.com/113010037

Veiculado na TV Cultura em 27.11.2014 no Programa Invenção do Cotemporâneo

Meta Ameaçada

Depois de oito anos de sucessivas quedas nas emissões de gases de efeito estufa no Brasil, em 2013 as emissões voltaram a subir de forma expressiva (7,8%), principalmente pelo aumento do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, acompanhado do aumento do consumo de gasolina e diesel e da expansão da geração de energia elétrica a partir de termelétricas movidas a combustíveis fósseis, sobretudo carvão e gás.

O levantamento das emissões para o período de 1970 a 2013 produzido pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima mostra que o Brasil emitiu 1,57 bilhão de toneladas equivalentes de carbono (Gt CO2e) no ano de 2013, bem abaixo das 2,5 Gt CO2e emitidas em 2005, mas com uma nova composição, em que a energia dobrou sua participação nas emissões, alcançando 30% do total.

De fato, o período efetivo de queda de emissões se deu entre 2005 e 2009; depois disso, as emissões praticamente se estabilizaram ao redor de 1,5 Gt CO2e, mesmo com a queda do desmatamento ainda tendo perdurado, ainda que de forma menos expressiva, entre 2010 e 2012.

Até 2012 o Brasil ainda caminhava claramente para o cumprimento da meta de redução de 36% das suas emissões projetadas para 2020 (o que equivale a 2 Gt CO2e). Porém, a mudança de trajetória em 2013 e a manutenção do crescimento das emissões nas principais áreas de pressão em 2014 tornam isto incerto, com as projeções podendo chegar a 2,2 Gt CO2e em 2020.

Em 2014, o uso das termelétricas foi intensificado em relação a 2013, o consumo de gasolina e diesel cresceu e os sinais dados pelos sistemas de alerta de desmatamento apontam crescimento na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica. O único setor que pode mostrar retração de emissões em 2014 é o da indústria, que vem tendo um ano particularmente ruim.

Mais preocupante é constatar que a reversão de tendência ocorre num período de baixíssimo crescimento econômico e, portanto, estamos nos tornando menos eficientes, ou seja, emitimos mais para produzir a mesma quantidade de produtos e serviços.

Não se trata de destino, uma fatalidade, mas de uma situação que pode perfeitamente ser revertida com a retomada do cumprimento das metas do Plano Nacional de Mudanças Climáticas (aumento de 10% do consumo de álcool, aumento da proporção das fontes renováveis na matriz energética — hoje em queda — e redução do desmatamento).


Que sirva de alerta para que, neste novo mandato, o governo federal retome a agenda de desenvolvimento sustentável tão desvalorizada nos últimos anos, e o Brasil possa voltar a liderar pelo exemplo a agenda climática global.

Publicado em O Globo 26.11.2014

sábado, 15 de novembro de 2014

Por que o anúncio de China e Estados Unidos é tão importante?

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Estados Unidos e China, as duas maiores economias do planeta, são também os maiores produtores e consumidores de energia e os dois principais emissores de gases de efeito estufa (GEE), tanto considerando as emissões atuais, lideradas pela China, como as emissões históricas, lideradas pelos EUA.
Qualquer tentativa de um novo acordo climático suficientemente ambicioso para assegurar que a temperatura média do planeta não ultrapasse o limite de 2oC não é possível sem o compromisso destes dois gigantes.
Por isso, o anúncio conjunto de EUA e China de metas ambiciosas para redução de suas emissões após 2020 são tão importantes: o governo americano se comprometeu a reduzir de 26 a 28% suas emissões até 2025 quando comparado com as emissões de 2005 e a China compromete-se a ter o pico de suas emissões (e a partir daí um declínio) antes de 2030 e atingir 20% de energia de fontes não fósseis no mesmo ano.
Na última década, as emissões de GEE no país asiático cresceram cerca de 5% ao ano e já representam cerca de um quarto do total de CO2 liberado na atmosfera terrestre. O anúncio de ontem (13/11), em que a China afirma que irá ter o pico de emissões o mais cedo possível, antes de 2030, revela uma perspectiva de desaceleração acentuada nos próximos anos. Caso isso acontece, haverá um impacto na demanda de combustíveis fósseis em todo mundo e provocará a redução de subsídios, que representam meio trilhão de dólares anualmente.
Por outro lado, para atingir a meta de 20% de energias de fontes não fósseis, a China deverá triplicar ou quadruplicar investimentos anuais em fontes renováveis. As curvas de custos destas energias deverão ter queda ainda mais acentuada que na ultima década com reflexos em todo o planeta.
Os Estados Unidos respondem por 10% das emissões globais e já tiveram o pico de suas emissões em meados da década passada. Já tinham uma meta de redução de 17% das emissões em 2020, quando comparada com 2005, mas o ritmo de queda era insuficiente para uma redução substancial de pelo menos 80% até 2050 (quando comparado aos níveis de 1990). A divulgação da nova meta para 2025 indica uma aceleração do ritmo de queda das emissões americanas de 1,2% para 2,5% ao ano em média. Este novo índice já coloca a nação americana na trajetória de 80% de redução até 2050.
Mas o mais importante sinal é que se as duas maiores economias (uma desenvolvida e outra em desenvolvimento) e maiores consumidores de energia estão apontando que é possível se desenvolver promovendo redução de emissões.
Recentemente a Europa, que responde por 9% das emissões globais, assumiu o compromisso de diminuir em 40% suas emissões até 2030, quando comparado aos níveis da década de 90. Com o novo acordo entre os governos chinês e americano, os países que representam cerca de 45% das emissões atuais saíram na frente com compromissos que levantam a barra da ambição do novo acordo climático global a ser alcançado em 2015 e devem  servir de sinal para que os outros principais emissores como Índia, Rússia, Brasil, Indonésia e Japão também se coloquem o desafio de ser ambiciosos na suas metas de redução de emissões pós 2020.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Uma síntese para incomodar

IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU) publicou, no último domingo, a quarta e última parte do seu 5o Relatório de Avaliação sobre Mudanças Climáticas (AR5 – Fifth Assessment Report ), o chamado Relatório Síntese reúne e alinha as informações das três partes do relatório já lançadas:
Ciência do Clima (set, 2013),
Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades (março, 2014) e
Mitigação das Mudanças Climáticas (abril, 2014)
e produz uma nova leitura integrada do estado da arte do entendimento sobre as mudanças climáticas.
O resultado incomoda pela contundência ao relatar as mudanças do clima já em curso e os impactos sobre as pessoas e a vida em todo planeta e a necessidade de esforço para limitar emissões de gases de efeito estufa (GEE) muito mais drástica do que a apontada em qualquer outro relatório anterior.
Este incômodo precisa servir de inspiração para acelerar a implementação de ações de adaptação e mitigação já e aumentar o nível de ambição ao limite para dar forma aonovo acordo climático global a ser fechado na Conferência de Paris – COP21, em 2015.
O resumo para tomadores de decisão em políticas públicas (Summary for Police Makers) do Relatório Síntese merece ser lido por todos os envolvidos com o desenvolvimento de estratégias em empresas, organizações não-governamentais e governo.
A seguir os principais pontos do Relatório Síntese do 5º Relatório do IPCC:

1. MUDANÇAS OBSERVADAS E SUAS CAUSAS

influência humana sobre o sistema climático é clara, e o registro de emissões antrópicas de gases de efeito estufa recentes é o maior da história. As recentes mudanças climáticas tiveram impactos generalizados sobre os sistemas humanos e naturais.
aquecimento do sistema climático é inequívoco e, desde os anos 1950, muitas das mudanças observadas não têm precedentes ao longo de décadas a milênios. A atmosfera e o oceano têm aquecido, as quantidades de neve e gelo têm diminuído e o nível do mar subiu.grafico1
Cada uma das três últimas décadas tem sido sucessivamente mais quentes na superfície da Terra do que qualquer década anterior desde 1850. O período de 1983 a 2012 foi provavelmente o mais quente no período de 30 anos dos últimos 1.400 anos no Hemisfério Norte. Essa avaliação só é possível nesse hemisfério pela disponibilidade de dados históricos. Os dados de temperatura médias globais – combinadas superfícies terrestres e oceânicas -, calculadas por uma tendência linear, mostram aquecimento de 0,85 oC durante o período de 1880-2012.
Da energia retida pelo aumento da concentração de GEE na atmosfera, 90% está acumulando nos oceanos. Mais de 1/3 do carbono que emitimos está sendo absorvido pelo oceano, causando sua acidificação (26% em relação à era pré-industrial).
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As emissões antropogênicas de gases de efeito de estufa aumentaram desde a era pré-industrial, impulsionado em grande parte pelo crescimento econômico e populacional e, agora, estão maiores do que nunca. Isto levou as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, que são sem precedentes, pelo menos, nos últimos 800 mil anos. Seus efeitos, juntamente com os dos outros fatores antrópicos, foram detectados em todo o sistema climático e são a causa dominante do aquecimento observado desde meados do século 20.
Metade das emissões entre 1750 e 2011 aconteceu nos últimos 40 anos. As emissões acelerarão entre 2000-2010 (2,2% a.a.) em relação ao período 1970-2000 (1,3% a.a.).
Nas últimas décadas, as mudanças climáticas têm causado impactos nos sistemas naturais e humanos em todos os continentes e através dos oceanos. Impactos são devido às alterações climáticas observadas, independentemente de sua causa, o que indica a sensibilidade dos sistemas naturais e humanos para a mudança climática.
Mudanças na frequência, intensidade e duração de eventos meteorológicos e climáticos extremos têm sido observadas desde 1950, incluindo extremos de calor e frio, eventos de seca e de excesso de chuva.

2. MUDANÇAS CLIMÁTICAS, RISCOS E IMPACTOS

contínua emissão de gases de efeito estufa causará mais aquecimento e mudanças de longa duração em todos os componentes do sistema climático, aumentando a probabilidade de impactos severos, invasivos e irreversíveis para as pessoas e os ecossistemas. Limitação das alterações climáticas exigiria reduções substanciais e sustentadas nas emissões de gases de efeito estufa, que, juntamente com a adaptação, pode limitar os riscos das mudanças climáticas.
Em grande parte, emissões acumuladas de CO2 determinam aquecimento médio da superfície global no final do século 21 e além. E há projeções que indicam que as emissões de gases de efeito estufa podem variar em uma ampla faixa, dependendo tanto da política de desenvolvimento e do clima socioeconômico.
A temperatura da superfície deverá aumentar ao longo do século 21 em todos os cenários de emissões avaliadas. É muito provável que as ondas de calor ocorram com mais frequência e durem mais tempo, e que os eventos extremos de precipitação vão se tornar mais intensas e frequentes em muitas regiões. O mar vai continuar a aquecer e a acidificar e seu nível global a subir.
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A mudança climática vai amplificar os riscos existentes e criar novos riscos para os sistemas naturais e humanos. Os riscos são distribuídos de forma desigual e são, geralmente, maiores para as pessoas desfavorecidas e as comunidades em países de todos os níveis de desenvolvimento.
Muitos aspectos das mudanças climáticas e impactos associados continuarão a agir por séculos, mesmo se as emissões antrópicas de gases de efeito cessarem por completo. Os riscos de mudanças abruptas ou irreversíveis aumentam à medida que se amplia o aquecimento.

3. CAMINHOS PARA ADAPTAÇÃO, MITIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Adaptação e mitigação são estratégias complementares para reduzir e gerir os riscos da mudança climática. Reduções substanciais de emissões ao longo das próximas décadas podem reduzir os riscos climáticos no século 21, aumentar as perspectivas de adaptação eficaz e reduzir custos e desafios de mitigação em longo prazo.
A tomada de decisão eficaz para limitar as alterações climáticas e seus efeitos pode ser informada por uma ampla gama de abordagens analíticas para avaliar riscos e benefícios esperados, reconhecendo a importância da governança, as dimensões éticas, equidade, juízos de valor, avaliações econômicas e diversas percepções e respostas ao risco e à incerteza.
Sem os esforços de mitigação adicionais além daquelas em vigor hoje – e mesmo com a adaptação -, o aquecimento até o final do século 21 vai levar à multiplicação dos riscos de impactos graves, generalizados e irreversíveis em todo o mundo. A mitigação envolve cobenefícios e risco de possíveis efeitos colaterais adversos, mas estes riscos não se comparam aos impactos graves, generalizados e irreversíveis como riscos da mudança climática, aumentando os benefícios dos esforços de mitigação de curto prazo.
Clique no gráfico abaixo para ver os detalhes:
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A adaptação pode reduzir os riscos de impactos das mudanças climáticas, mas há limites para sua eficácia, especialmente em casos de maiores magnitudes da mudança climática. Por isso, quanto antes for implantada, aumentará as futuras opções de adaptação e preparação.
Ainda existem caminhos possíveis para limitar o aquecimento em níveis abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais. Para trilhá-los, é preciso reduzir substancialmente as emissões de GEE até meados do século e quase nulas até o final do século. A implementação de tais reduções nos coloca diante de desafios tecnológicos, econômicos, sociais e institucionais substanciais, que aumentam com atrasos na implementação das ações e do desenvolvimento das principais tecnologias ainda não disponíveis em escala comercial.

4. ADAPTAÇÃO E MITIGAÇÃO

Nenhuma ação de mitigação e adaptação é suficiente por si só. Sua implementação efetiva depende de políticas e de cooperação em todas as escalas, e pode ser reforçada através de respostas integradas que apontam adaptação e mitigação com outros objetivos sociais.
As opções de adaptação existem em todos os setores, mas seu contexto de aplicação e de potencial para reduzir os riscos relacionados com o clima é diferente em todos os segmentos e regiões. Algumas respostas de adaptação envolvem cobenefícios significativos, sinergias e trade-offs. Aumentar a mudança climática aumentará os desafios para muitas opções de adaptação.
A mitigação pode ser mais eficaz se for utilizada em uma abordagem integrada que combina medidas para reduzir o consumo de energiaaumentar a eficiência energéticadescarbonizar o fornecimento de energia, reduzir emissões líquidas eaumentar sumidouros de carbono nos setores agropecuário e florestal.
Respostas de adaptação e mitigação eficazes dependerão de políticas e medidas em várias escalas: internacionais, regionais, nacionais e subnacionais. Políticas em todas as escalas de apoio ao desenvolvimento de tecnologia, difusão e transferência, bem como financiamento para respostas às mudanças climáticas, pode complementar e melhorar a eficácia das políticas que promovem diretamente a adaptação e a mitigação.
As mudanças climáticas são uma ameaça ao desenvolvimento sustentável. No entanto, há muitas oportunidades de vincular mitigação, adaptação e à busca de outros objetivos sociais através de respostas integradas.
Clique na tabela abaixo para ver os detalhes:
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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Retomar o Rumo

Passada uma das mais inusitadas e disputadas eleições dos últimos tempos é hora e partir para ação. Na agenda de sustentabilidade isso significa recuperar o tempo perdido. Os últimos quatro anos não foram bons para esta agenda, com inúmeros retrocessos, paralisias e caminhos em círculos. Não é hora de lamentar o passado, mas de apontar para frente e acertar o rumo.
Ficamos muito tempo vivendo em berço esplendido vangloriando-nos de um passado de conquistas. Paramos de inovar e os retrocessos foram se consolidando. É preciso tirar o atraso de quase todas as agendas socioambientais
Dois conceitos precisam nortear esta retomada de rumo: constante inovação e a renovação das aspirações e nível de ambição.
Assim como o montanhista que, ao conquistar a alta montanha, contempla por alguns minutos, vive o momento e já na descida almeja a escalada da próxima montanha, assim deve ser com o nível de ambição com as metas em políticas publicas. É ótimo que tenhamos reduzido fortemente o desmatamento desde 2004, mas ainda somos o país que mais desmata no mundo e longe do segundo colocado. É preciso almejar zerar a perda de cobertura florestal.
Para alcançar metas cada vez mais ousadas, é fundamental inovar sempre. Os remédios e terapias aplicados para tratar de um problema de saúde vão sendo alterados conforme os primeiros vão dando resultado. Quando acertamos o instrumento de política pública e ele tem efeito, altera a realidade e os mesmos instrumentos tendem a perder a eficácia e precisam ser substituídos ou aprimorados por novas ideias. Inovar em política pública é tão importante como em qualquer setor na nova economia.
Como a presidente foi reeleita sem um plano de governo e com uma agenda enorme no campo da sustentabilidade a ser desenvolvida, proponho três metas em áreas chaves para inspirar o novo mandato: 1) zerar a perda de cobertura florestal no Brasil; 2) retomar e ampliar a proporção de energia renovável em nossa matriz energética; e 3) definir metas de curto, médio e longo prazo para a redução efetiva de emissões de gases de efeito estufa no Brasil e liderar um novo acordo climático global que assegure limitar o aumento da temperatura global em 2 graus C.

Muitas outras metas são necessárias em áreas como gestão de resíduos, recursos hídricos e conservação da biodiversidade. Mas, a compreensão cada vez mais clara da relação dos grandes maciços florestais e as mudanças climáticas com o regime de chuvas que atualmente colocam em risco a geração de energia, a produção de alimentos e o abastecimento de água possibilitam que a agenda de clima e florestas sirva de ponto de convergência para um pacto pela sustentabilidade que nos recoloque no rumo de um futuro mais próspero e justo para o Brasil.
Publicado em O Globo em 29.10.2014

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O ano mais quente da história, de novo

Nesta semana ocorrem dois eventos importantes para a agenda climática.
Em Bonn, na Alemanha, acontece a última reunião – antes da COP20, em Lima, no Peru – do Grupo de Trabalho que elabora as versões preliminares das bases para onovo acordo climático global a ser aprovado em 2015. O desafio do momento é apresentar uma proposta de decisão a ser tomada na próxima COP, em dezembro, que indique o formato e o mínimo de informações que devem ser apresentadas pelos países quando submeterem suas contribuições para redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), pós 2020, que são a base essencial do novo acordo.
Em Copenhague, na Dinamarca, o IPCC  (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, da ONU) se reúne para os últimos ajustes da 4ª é ultima parte do seu 5º Relatório de Avaliação das Mudanças Climáticas, o chamado Relatório Síntese a ser publicado na última semana de outubro.
As reuniões acontecem no momento em que as agências climáticas ao redor do mundo confirmaram o mês de setembro como o mais quente desde 1880, quando começaram a ser feitos esses registros. Não é um fato isolado. Abril, maio, junho e agosto já haviam batido recordes históricos de alta temperatura. É a primeira vez que o mês de setembro apresenta tão altas temperaturas sem a influência de um forte El Nino (que ainda não se faz presente e deve vir ainda no final do ano). No ritmo atual, 2014 terminará como o ano mais quente da história desde 1880.
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Os 10 anos mais quentes já registrados (média de temperatura global) aconteceram nos últimos 15 anos, sendo 7 nos últimos 10 anos. Não há dúvida, a temperatura média do planeta está subindo e acelerando.
São Paulo teve, neste mês de outubro, a maior temperatura registrada desde 1934 (quando se iniciou a série histórica). Todas as 10 maiores temperaturas registradas em São Paulo aconteceram nos últimos 15 anos e 7 foram nos últimos três anos (2012-2014).
Em algumas regiões do continente antártico, as temperaturas estão 10oC acima da média histórica, provocando degelos permanentes em glaciais antes considerados perenes.
A seca nas regiões sudeste, nordeste e centro oeste do Brasil ou na Califórnia e boa parte da costa oeste americana têm sido marcantes e colocam em risco a produção de alimentos, a segurança energética e a saúde das pessoas.
Abaixo, os gráficos do NOAA mostram as variações da temperatura nos meses de setembro, os dez anos mais quentes e a temperatura média global na terra e nos oceanos desde 1880:

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terça-feira, 7 de outubro de 2014

O desafio que nos dá o real sentido de humanidade

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Conferência de Estocolmo sobre Homem e Meio Ambiente, realizada em 1972, é considerada por muitos o ponto de partida de grande parte dos acordos e movimentos multilaterais sobre sustentabilidade.
Mas o conceito de desenvolvimento sustentável – como aquele que satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras satisfazerem as suas necessidades – foi cunhado em meados dos anos 80 no relatórioNosso Futuro Comum produzido por uma comissão internacional liderada pela então primeira Ministra da Noruega, Gro Brundtland, daí o relatório ser também conhecido porRelatório Brundtland.
Este relatório se tornou uma espécie de livro-texto ou referência histórica sobre os conceitos, princípios e diretrizes do desenvolvimento sustentável. Entre suas recomendações estavam:
- limitação do crescimento populacional;
- garantia de recursos básicos (água, alimentos, energia) em longo prazo;
- preservação da biodiversidade e dos ecossistemas, diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias com uso de fontes energéticas renováveis;
- aumento da produção industrial nos países não-industrializados com base em tecnologias ecologicamente adaptadas;
- controle da urbanização desordenada e
- integração entre campo e cidades menores e
- o atendimento das necessidades básicas (saúde, escola, moradia).
Foi com este pano de fundo na cabeça que, na tarde do dia 30 de Setembro, mediei debate com Gro Brundtland, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente do Grupo Abril, Fabio Barbosa.
Gro veio ao Brasil para participar de conferência no programa Fronteiras do Pensamento, mas, antes e a convite de FHC, foi ao espaço da organização Comunitaspara conversar com lideranças brasileiras sobre a agenda do desenvolvimento sustentável em 2015, quando dois importantes eventos serão realizados no contexto internacional: a definição dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e o novo acordo climático global.
Gro contou um pouco de sua trajetória, mas focou sua fala na questão de mudanças climáticas, que julga ser o maior desafio enfrentado pela humanidade dada a dimensão de seus impactos. Foi enfática ao dizer que a principal ação a ser tomada para reduzir emissões é taxar as emissões. De fato, Visualizar blogquando primeira ministra da Noruega, implementou a taxa de carbono mais de duas décadas atrás. O país é o que mais baixou emissões na Europa, cumprindo com folga as metas do Protocolo de Kyoto.
Fabio Barbosa refletiu sobre os recentes estudos Nova Economia do Clima e o DDPP. Apesar dos estudos apontarem a real possibilidade de conciliar desenvolvimento com a descarbonização da economia os avanços são muito lentos, pois as condições regulatórias e politicas de incentivos são contraditórias, dando o exemplo do subsídio aos combustíveis fósseis na casa das centenas de bilhões de dólares.
O ex-presidente Fernando Henrique contou como se envolveu nos primeiros debates sobre desenvolvimento e meio ambiente em 1974, em um grupo liderado por Ignacy Sachs e a dificuldade de conciliar na diplomacia os interesses nacionais às necessidades planetárias, e fechou o debate afirmando que as mudanças climáticas são o desafio global que nos dão verdadeiro sentido de humanidade: afeta a todos e só pode ser resolvida por todos. Em uma frase deu o exato sentido de ameaça e oportunidade dasmudanças do clima.
Para mim, que nasci em 1972 e, portanto, sou da geração pós-Estocolmo, aquela que não tem desculpa da ignorância para não lutar por um desenvolvimento sustentável, participar do debate com Gro Brundtland foi como dialogar com o livro texto de minha formação. Uma tarde inesquecível.

Publicado no Blog do Clima de O Planeta Sustentável em 07.09.2014